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fevereiro 01, 2011

Jane Marie


Eu ouvi alguém dizer meu nome. Mas eu não conhecia aquela voz. Nunca tinha ouvido alguém com aquele timbre me chamar, disto eu tinha certeza. Tentei abrir os olhos. Outra voz me disse para ficar calma. Senti gosto de sangue na garganta. Tentei engolir. E então me veio mais e mais gosto de sangue, como se estivesse acabado de me machucar.
Mas... Eu tinha me machucado. Tinha sofrido um acidente. Fazia muito tempo? Ou melhor, que horas eram? Eu não fazia idéia de nada, só de quem eu era. Meu nome, (creio que ainda era, se eu tivesse meu RG pra comprovar) é Jordin Stephanie Richr. Nasci na Inglaterra há dezessete anos. Meus pais viajaram o mundo antes de eu nascer, mas depois voltaram para sua cidade natal quando descobriram que mamãe estava grávida. E não era de mim. Minha mãe sofreu um aborto espontâneo aos cinco meses de gestação. Depois disso desistiu de viajar, de trabalhar, de ter filhos. Ficou desgostada com a vida. E então eu surgi. Ela e meu pai decidiram adotar alguém e foram até o meu abrigo. Eu tinha meses, havia acabado de ser abandonada pela minha mãe biológica. Nunca a conheci, mas não tinha raiva por ter feito isso, afinal a minha família adotiva era muito boa. Fui morar com eles aos dois meses, pois o processo de adoção às vezes pode ser muito difícil (como no meu caso). Sempre tive carinho, amor, atenção, as melhores coisas, as melhores escolas, os melhores amigos. A nossa situação financeira era excelente, e eu nunca tive do que reclamar. Mas eu reclamava. Achava que algo podia ser melhor, que eu era adotada e por isso meus pais não me davam tudo, mas se mamãe não tivesse sofrido aborto, o seu filho teria tudo, e eu nem faria parte da família. Adolescência, eu nunca soube o que falava. Raramente falava algo construtivo.
Eu abri os olhos. Todos estavam de branco. Eu não reconheci o lugar. Olhei para os lados, ainda ninguém conhecido. Onde estavam meus pais, meus amigos? Que lugar era aquele? Um hospital? Eu nunca havia ido àquele hospital, se fosse da Inglaterra. Mas logo um homem jovem e de sorriso poderosamente branco respondeu as minhas perguntas.
- Você não sabe onde está não é? Eu vou te ajudar. Em primeiro lugar, você deve saber que eu sou seu mentor. Aquele que vai te ajudar, te dar todas as instruções de como viver aqui. Você está no céu. Apesar de todas as palavras bruscas aos seus pais nesses últimos tempos, você havia sofrido demais antes, então foi perdoada e atingira o plano espiritual em graves, mas lidáveis situações. Você sofreu um grave acidente, onde estava seu namorado e amigos, se lembra?
Eu não sabia o que falar. Plano espiritual? Eu só atingiria esse lugar se estivesse... morta. Eu estava morta? Não, era uma brincadeira, uma grave e mal feita brincadeira. E onde estava Flecher? Ele estava ali também? Ai meu Deus, morta! Não, era mentira.
Então pensei... Não, não é mentira, eu me lembro de grandes faróis vindo contra mim, um barulho de ambulância distante, minha mãe gritando e me pedindo pra que fosse forte. E eu não fui.
- Me lembro, mas como isso aconteceu? Ninguém conseguiu salvar minha vida? Fracos! Não foi um acidente tão feio! E eu morri, que ridículo.
- Se acalme, Srta. Jordin, você tem muita coisa a aprender ainda. Se ficar estressada agora, no inicio de sua vida espiritual, vão te fazer dormir até que melhore seu comportamento.
De repente vi um sorriso conhecido. Vinha na minha direção como se estivesse com muita saudade. Logo reconheci, era Jane.
- Não se exalte, querida! Eu vou te ajudar. Pedi aos meus mentores que eu pudesse te acompanhar na sua adaptação, e por eu estar num nível de grande sabedoria, deixaram! Quantas saudades, não me entenda mal, mas, que bom que não demorou a vir!
Jane havia morrido há quase três anos. Nos conhecíamos há muito tempo, e meu coração, minha vida tinha esvaziado muito quando ela se foi.
Fiquei tranqüila. Lembrei de nossos abraços, e de como tudo que havia sentido e passado com ela me fazia falta. Perguntei ao meu mentor se podia me levantar para abraçá-la, e ele nem hesitou ao dizer que sim. Eu a senti. Depois de tanto tempo sem seus beijos, carinhos e afetos, eu senti seu abraço. Aquele corpo caloroso se foi, mas ainda sobrou todo amor que eu sempre senti num simples gesto.
Ela me ensinou tudo. Descobri lugares lindos, onde eu poderia passar as tardes. Me ensinou que no presente eu sentiria fome, mas por causa do psicológico e costume, mas com o tempo eu ia me desligando. Eu teria de vestir roupas, mas era a mesma coisa, depois tudo se tornaria branco, e então eu imaginaria a roupa que quisesse, e eu a veria colorida. Conheci seus amigos, seus mentores, visitei seus familiares, os meus e demos boas risadas.
Depois de um tempo, quase dois anos, ela me veio com noticias não tão agradáveis.
- Minha flor, eu terei de te deixar sozinha. Vou reencarnar, voltar para terra. Não que eu não irei me lembrar de você, mas será difícil. Você terá que me ajudar me fazendo visitas, brincando comigo enquanto eu for criança, tudo bem?
- Você vai me deixar... mas por quem vai me deixar?
- Sua mãe terá um filho, e serei eu. Meu nome será Marie, ela viajou a França e conheceu muitas pessoas, e em especial alguém que contou de você, que contou sobre sua vida aqui, comigo, e logo faleceu. Ela a homenageará.
Me senti um pedaço de papel. Ao mesmo tempo em que era valiosa, não tinha valor nenhum. Eu fui lembrada por tanto tempo por minha mãe e então ela engravidou, sem querer! E minha quase irmã reencarnaria para fazer minha mãe feliz. Porque não eu? Mas eu me sentia bem ali, então deixei que fosse.
E eu a visitava, todas as noites quando ela chorava aos poucos meses de vida. Eu acariciava sua cabeça e pedia para que ela ficasse calma. Eu estava ali, e sempre estaria. Aos quatro anos brincava com ela, via meus pais felizes por ela sorrir a toa e mal sabiam que era pra mim. Na adolescência, ela lembrou-se de mim como sua quase irmã e contou a minha mãe. Ela chorou. Acreditou em Marie mas chorou. E naquela noite sonhou comigo.
Eu a visitei nos sonhos, e lhe acalmei. Disse que estava tudo bem e que Marie era na verdade Jane, que havia reencarnado para fazê-la feliz.
Mamãe acordou sorrindo, e depois de tanto tentar fazer com que Marie me visse, meu mentor me avisou que minha missão foi cumprida, e que agora só voltaria a ver Marie quando ela voltasse ao plano espiritual. E eu esperei, por dias, noites, meses, anos. E espero até hoje.


Amanda Ferreira

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